CasaNem mais uma vez sob ameaça transfóbica
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Pessoas trans: a pedra no sapato do discurso psi e jurídico e a questão do Laudo
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Fonte :BBC Brasil

Um video ótimo da BBC Brasil com falas da Alexya Salvador, mulher trans professora, contando suas experiências enquanto professora, mãe e pastora (de uma igreja inclusiva). Mas eis que eu quebro a regra número um da internet: “não leia os comentários”. Pensa num mar de comentários preconceituosos no post da página da BBC no face, mas um em especial instigou ainda mais a minha revolta.

Sujeito dizendo que Alexya tinha uma “desordem mental” e por isso supostamente não estaria apta para o exercício do magistério. Dizia ainda que não permitiria seus filhos terem aulas com ela.

Vejam o quanto isso é ultrajante, sem limites mesmo. Não passa na cabeça dessas pessoas que uma pessoa trans tenha capacidade intelectual/técnica para ocupar o posto de trabalho que ela efetivamente exerce. Pessoas cis simplesmente se sentem no direito de questionar a capacidade de pessoas trans com base no estigma da patologia mental. É uma atitude simplesmente torpe em relação à nossa existência, pois desconsidera a formação intelectual/técnica de pessoas trans, é o mesmo que cuspir na cara de toda uma população já tão vulnerável e excluída dos trabalhos formais.

Não, pessoas cisgêneras, vocês NÃO tem o “direito” de impedir com que seus filhos tenham aula com professores que sejam transgêneros porque não está previsto na constituição e em nenhuma lei o seu “direito” de discriminar pessoas trans. Ninguém pode colocar em suspeita a capacidade e honestidade intelectual de pessoas trans com base em justificativas patologizantes.
Pois é vejam, é justamente admitindo a existência de discursos absurdos como esses, que colocam em questão a capacidade de pessoas trans em exercerem profissões como a de professor que justamente PROVA o quanto Alexya na verdade está apta para ocupar o posto que já ocupa: se ela conseguiu perfurar a barreira desse tipo de preconceito é porque certamente ela teve que se esforçar em dobro, ela certamente teve que mostrar mais capacidade que uma pessoa cisgênera para ter o direito, praticamente a “ousadia”, de ser uma professora e ocupar este cargo.

Como os preconceituosos negacionistas da existência de discriminação vão poder explicar discursos como esse, que colocam em cheque a capacidade laboral de mulheres trans como Alexya tão somente pelo fato dela ser mulher trans? Como explicar isso a não ser pela existência de um tipo de preconceito surreal, ainda tão fortemente arraigado em nossa sociedade?

Comentários como esses são sinais que nos explicam o porquê o Brasil tem ocupado, ano após ano, o pódio do país em que mais se assassina pessoas trans no mundo. Pois atrás dos assassinatos, há as violências cotidianas, por trás das violências, há a exclusão, por trás da exclusão, há o estigma, por trás do estigma, há a desconsideração de nossas capacidades intelectuais, por trás da desconsideração de nossas capacidades, há a crença de que somos doentes ou representantes de uma “perversão” social, por trás dessa crença, há tantas outras sobre o fato de não sermos homens e mulheres de “verdade” e por aí vai.

Eu me pergunto: se a transgeneridade em si configura “desordem mental” incapacitante para o trabalho como de professora, quem define isso? Com base em quê? Com base em quê um pai se sente no direito de impedir que seus filhos tenham aula com um professor ou professora que seja transgênero? E se se assume que pessoas trans não possam trabalhar em empregos formais, “normais”, quer dizer então que o local esperado poderia ser o exercício do trabalho sexual precário, semi-criminalizado, às escondidas? Porque até onde eu saiba, não posso usar a justificativa perante ao Estado de que sou trans e reivindicar qualquer tipo de abono ou auxílio financeiro com base na vaga ideia de que a transgeneridade me impediria de exercer qualquer tipo trabalho.

Diante de comentários como esses, podemos nos questionar acerca de qual seria o projeto social para pessoas trans, quais os locais sociais esperados que pessoas trans ocupem, quais postos o imaginário social suporta que essas pessoas ocupem. Depreendemos que diante das posições que reafirmam nossa exclusão e estigma não podemos esperar nada além do nosso aniquilamento.

Fonte da imagem: Video BBC Brasil

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