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No Brasil, há uma verdadeira luta dos conservadores contra a inclusão do debate sobre gênero e sexualidade nas escolas e nas bases curriculares. A luta é tanta que eles foram capazes de criar uma fórmula discursiva, uma expressão cristalizada que é mobilizada, de forma virulenta, a todo o momento neste debate: “ideologia de gênero”. A expressão é mobilizada pelos conservadores em enunciados que reivindicam lutar contra (essa tal de) “ideologia de gênero”. Podemos encontrar ecos dessa mobilização conservadora em diversos outros países, e a expressão “ideologia de gênero” também é atestada na forma como o movimento conservador tem silenciado a discussão sobre gênero e sexualidade (principalmente nos espaços escolares) ao redor do mundo.

Se utilizarmos o mesmíssimo argumento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em favor da inclusão do ensino religioso na base curricular, a saber, que se trata de um “substrato sócio-político-cultural do povo brasileiro”, deveríamos, na mesma medida, incluir o debate sobre gênero e sexualidade nas escolas. Afinal de contas: gênero e sexualidade fazem parte, definitivamente, do “substrato sócio-político-cultural do povo brasileiro”.

Vale contextualizar: as expressões “identidade de gênero” e “orientação sexual” foram recentemente retiradas da base, mas também foi retirado o tema do ensino religioso.

Mas a gente sabe que são as entidades religiosas as primeiras a criarem pânico sobre a possibilidade de se falar sobre gênero e sexualidade nas escolas. São os primeiros também a distorcerem os discursos que defendem uma escola inclusiva para mulheres e pessoas LGBT, dizendo eles se tratar de uma imposição de uma “ideologia de gênero”, argumentando inclusive que esses temas não concernem à escola, e sim à educação moral exclusiva da família. Talvez eles devessem tomar mais cuidado com os argumentos que utilizam, pra não dar força para os seus próprios adversários. Também pelo mesmíssimo argumento, deveríamos concluir que ensino religioso é algo da esfera exclusivamente privada (portanto, familiar), não cabendo ser apresentada nas escolas.

Para as pessoas e militantes LGBT, mulheres e pesquisadores na área de gênero, sexualidade e feminismo, a forma como a expressão “ideologia de gênero” é mobilizada pelo discurso conservador não faz o menor sentido.

Para nós, falar em identidade de gênero e sexualidade implica falarmos sobre normas, o que igualmente implica em falar sobre identidades, no âmbito do gênero e sexualidade, que estão à margem das normas. Implica desnaturalizar a expectativa que pressupõe a cisgeneridade e heterossexualidade como destinos para crianças e adolescentes. Implica considerar que o espaço da escola precisa ser inclusivo para mulheres e LGBT’s e para isso, não podemos simplesmente supor que toda criança e adolescente irá nascer, crescer e morrer sendo heterossexual e cisgênero. E por fim, falar sobre identidades que escapam das normas não implica nenhuma forma de “doutrinação” ou “imposição” às crianças e adolescentes, como os conservadores acreditam. Falar em gênero e sexualidade nas escolas é sobre combater violência, injustiça e exclusão que as normas de gênero e sexualidade acarretam.

Ironicamente, a transfobia em alguns discursos feministas é tamanha que até mesmo são capazes de comemorar o avanço conservador que silencia a discussão sobre “identidade de gênero” por meio da mobilização da luta contra a “ideologia de gênero”. Quando a gente vê pessoas comemorando a retirada do termo “identidade de gênero” das diretrizes curriculares porque a identidade de gênero seria parte de uma teoria “que reforça estereótipos de gênero” a gente vê o tamanho do equívoco que as pessoas estão presas em nome de um pretenso feminismo “radical”.

Fica a dica: pra conservador não existe “gênero” sem existir “identidade de gênero”, sem estarmos falando em “ideologia de gênero”, porque a menos que estejamos falando dos moldes restritos da família tradicional hetero-cis calcadas no imaginário biológico, toda forma de se colocar no mundo para além das normas de gênero e sexualidade é inválida e tida como uma ideologia que esconde uma pretensa verdade. Vale lembrar também que se estão censurado a expressão “identidade de gênero”, na mesma medida estão censurando a expressão “orientação sexual”. Não entender que a luta das pessoas trans se alia à luta das mulheres e das pessoas não heterossexuais é uma miopia política que irá nos causar um retrocesso em todas as nossas lutas.

Leia também:

https://novaescola.org.br/conteudo/4900/os-termos-genero-e-orientacao-sexual-tem-sido-retirados-dos-documentos-oficiais-sobre-educacao-no-brasil-por-que-isso-e-ruim

http://extra.globo.com/noticias/educacao/cnbb-pressiona-por-retorno-do-ensino-religioso-na-base-curricular-21172331.html

https://www.facebook.com/paulo.iotti/posts/1294710007230677

https://www.academia.edu/32325384/Bases_e_fundamentos_legais_para_a_discuss%C3%A3o_de_g%C3%AAnero_e_sexualidade_em_sala_de_aula

Demian Melo – “Escola sem partido” ou escola com “partido único”? http://bit.ly/24MeHug

Renato Nucci Jr – Contra a Escola sem Partido http://bit.ly/2o61kTI

Ricardo C. Festi – Uma perspectiva histórica dos ataques à sociologia no ensino médio http://bit.ly/2o65cnK

Natália Braga de Oliveira – Proibir o debate é ter partido: gênero e educação em direitos humanos http://bit.ly/2o2XtXo

Frederico Almeida – A política na sala de aula http://bit.ly/2p9YMDc

Demian Melo – A batalha pelo futuro: contra o projeto Escola Sem Partido http://bit.ly/2oaA2gJ

Rogério Diniz Junqueira – “Ideologia de gênero”: a gênese de uma categoria política reacionária – ou: a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça à família natural”? http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/7097/debates_contemporaneos_educacao_sexualidade.pdf?sequence=1

 

Fonte imagem: http://www.moodle.sead.furg.br/course/index.php?categoryid=292

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