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“Não sou contra pessoas trans, sou contra o sistema que cria pessoas trans”.

Já começou errado. Pessoas trans não são meramente “criadas” por um sistema. Dizer que somos criados por um sistema nos coloca o problema de pensar, por sua vez, em quem cria esse tal sistema, ou como esse sistema é reproduzido e precisamente criado. Pessoas trans são mais produtos ou produtores desse sistema? Para o radfem, como produtos, somos vítimas alienadas a espera de sermos reveladas a verdade, como produtores, nos tornamos em transativistas perniciosas que merecem o escárnio. Essa visão dicotômica pouco pode nos ajudar em nossas lutas concretas por direitos.

Colocar que pessoas trans são “criadas” por um sistema torna-se equívoco na medida em que deixa a cisgeneridade em um lugar intocado de natureza e espontaneidade – quando na verdade não é, a cisgeneridade é tão “criada” quanto a transgeneridade no interior de um sistema. E não é porque algo é criado que é “ruim” – aliás, todas as coisas pelas quais lutamos  são criadas também, inclusive a nossa luta de resistência.

Mas então porque se fala da “criação de pessoas trans” num sistema, como se fosse uma criação indesejada, como se pessoas trans fossem meros produtos estragados numa esteira de produção que deram “errado”, como se pessoas trans fossem absolutamente passivas (elas só existiriam como trans a partir de uma “criação” defeituosa, enquanto pessoas cis aparecem como um dado já lá, absolutamente naturalizado), como se pessoas trans pudessem ser mais alienadas que pessoas cis, como se fosse desejável o extermínio das identidades trans – por qualquer motivo que se reivindique, por mais supostamente libertário e “radical” que pareça.

Essa é uma ideia que precisa ser superada, a ideia de que a vida das pessoas trans não importa, de que ela pode ser pensada em termos de criação por terceiros, que portanto pessoas trans precisam ser tuteladas por pessoas cis, que pessoas cis precisam revelar para pessoas trans o quanto nós somos alienadas, revelar o quanto nós estaríamos “reproduzindo estereótipos” (e nunca as bonita cis, né) – nunca são as pessoas trans o sujeito de suas próprias vidas, histórias e de resistência. Essa ideia reproduz a noção de uma subjetividade trans passiva que nós estamos justamente criticando e superando.

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