Genital, gene e coisa tal: O que está por trás da genitalização(?)!
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“Não sou contra pessoas trans, sou contra o sistema que cria pessoas trans”
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Foto por Robin rayne nelson/zuma

Por Heather Maloney. Tradução de Beatriz Pagliarini Bagagli. Disponível em: http://www.projectq.us/atlanta/whats_in_a_name_when_youre_transgender_basically_everything?gid=18658#.WiaVla6We7k.facebook

Nossos nomes nem sempre são as primeiras coisas que vêm em nossas mentes quando pensamos sobre nossas identidades. É algo com que nascemos, mas não é algo que vem naturalmente. Nós ganhamos nomes não porque eles são importantes para nós, mas porque eles são importantes para aqueles que nos rodeiam.

Mas o que acontece se você sentir que tem o nome errado? E se a coisa pela qual todos o chamam é semelhante a um insulto?

Meu nome é Heather. Eu gosto do meu nome – até que gosto bastante, na verdade. Não porque tive sorte e acontecer de eu ser nomeada com um nome que sonoramente me agrada, mas porque foi esse o nome que eu escolhi para mim. O nome com o qual eu nasci é um incômodo, como se fosse um espinho para mim hoje em dia, pois me lembra de que nem sempre fui vista do jeito que eu estou agora.

Então, qual é o processo de encontrar um novo nome que esteja de acordo com o gênero com que você se identifica? É algo muito, muito diferente dependendo da pessoa, e as histórias podem variar desde o apreço pelo som do nome até ter alguma história profunda ou conexão com ele, mas às vezes pode ser ainda mais complicado. Às vezes, a ideia de que você está escolhendo seu próprio nome, ao invés de ser um nome que lhe foi dado desde o nascimento, é um ponto de medo quando se trata de transição.

Você pode realmente gostar de um nome, mas, ao escolher, você se preocupa em ser julgado de alguma forma. Talvez seja “muito feminino” ou “muito masculino”. Talvez ele pareça muito fictício e ninguém o levará a sério por causa disso, ou talvez seja apenas “não estiloso”.

Da mesma forma que eu gostaria que toda pessoa pudesse escolher qualquer nome que desejasse sem precisar se preocupar, nossa sociedade por outro lado, infelizmente, não dá espaço suficiente para a individualidade. Qualquer um pode ter nomes divertidos, personalidades singulares (não extremamente excêntricas, é claro), mas nós desenhamos uma linha nos nomes que não se encaixam no nosso padrão. Então, de imediato, temos medo de não ser levados a sério.

E este medo nem sequer seria um problema se não fosse o maior medo de todos: o sistema legal. Mudar o seu nome, de um que está associado a um gênero, para um nome que está associado ao outro gênero realmente mexe com a cabeça de alguns juízes de um jeito errado que aparentemente os faz lembrar do filme Ace Ventura: Pet Detective, onde o vilão era um homem disfarçado de mulher. Eu imagino eles dizendo algo como “isso não vai ser permitido sob a minha jurisdição!”

A realidade, é claro, é que os indivíduos transgêneros só buscam o reconhecimento de quem eles de fato são e um nome que não atraia constantemente suspeitas e olhares estranhos. Nenhuma mulher, por exemplo, seja cis ou trans, quer passar pelo processo humilhante de mostrar a alguém sua documentação que diz que seu sexo é “masculino” e seu nome é claramente um designado exclusivamente aos homens. Não só não é divertido para qualquer um, mas também pode causar complicações como suspeitas de falsidade ideológica e criar problemas reais quando tudo o que a pessoa está tentando fazer, na verdade, não é nada além de tentar viver sua vida em paz.

E falando daqueles malditos marcadores “masculino” e “feminino” presentes em documentos oficiais, passaportes, certificados de nascimento, etc., eles podem ser tão importantes quanto (ou ainda mais importantes) o reconhecimento do próprio nome. É a verificação de que você é oficialmente reconhecido com o gênero que você se identifica, o que pode ser um sentimento incrível, e mais incrível ainda na medida em que geralmente este reconhecimento demanda um esforço monumental para ser efetivado; superar este processo pode parecer um milagre, ou pelo menos ser um peso a menos em seus ombros.

E quanto a amigos, familiares, colegas de trabalho? Quanto tempo de carência as pessoas na vida de alguém exigem antes que o “deslize” se torne “ignorância deliberada” ou pior? Para amigos, deve ser assim que o indivíduo em questão demandar. Se eles intencionalmente se recusarem a mudar o nome ou os pronomes que usam para um amigo transgênero, então eles não estão sendo amigos. Se eles cometem um erro ocasionalmente, não deve ser interpretado como “agressivo” ou “constrangedor” dar um toque no amigo em questão.

Deve ser o mesmo para os colegas de trabalho, mas isso às vezes pode significar um risco de perda de emprego. Nessas situações, algumas pessoas sentem que simplesmente não podem fazer repercussão sobre isso, quer porque não têm a certeza de quem o apoie, ou simplesmente por não querer lidar com o incômodo.

A família é diferente, tanto é assim que parece minimizar as outras duas categorias. Você sempre pode obter novos amigos. Você pode, pelo menos, esperar obter um novo emprego. Mas a sua família, as pessoas que te criaram e que a nomearam em primeiro lugar, quase sempre terão dificuldades em mudar o vocabulário que eles estiveram acostumados a sua vida inteira, a forma com que você sempre foi vista pelos olhos deles .

Para os pais, especialmente, pode ser uma transição em si para eles mesmos, e, embora nunca seja tão difícil quanto a que seus filhos vão passar, também nunca é fácil.

Quando eu me assumi pela primeira vez para os meus pais, eu já não aguentava mais a forma como eu era tratada, como é o caso da maioria das pessoas trans. Eu queria uma mudança, e eu queria isso a todo momento, sem qualquer preocupação como meus pais se sentiriam sobre isso ou o tempo que eles precisariam para processá-la. Eu não tive esse tempo para dar-lhes. Eu já estava no fim da minha linha.

Olhando para trás e vendo quanto progresso eles fizeram para usar um nome diferente e diferentes pronomes que eles estavam acostumados, eu agradeço apesar do quão farta eu já estava. Eu tive sorte. Nem todos conseguem isso.

Eu conheço pessoas que foram expulsas de suas casas e deixadas por conta própria porque se assumiram como transexuais ou simplesmente porque não conseguiam esconder mais. Conheci pessoas que deixaram suas casas unicamente porque não podiam viver em um ambiente hostil produzido por seus pais ou entes queridos que ativamente erravam seus gêneros e nomes (misgendering) mesmo depois da transição, entre outras formas de maldade.

Isso não é algo que todo mundo tenha controle, exceto para a pessoa que é diretamente afetada, mas como a desinformação sobre o que significa ser transgênero ainda persiste até hoje, continuamos vendo mais casos de discriminação na forma de algo tão simples como nomes e pronomes – seja em uma situação doméstica, casual ou profissional. Ninguém mais tem direitos sobre a sua identidade, mas muitas vezes se sentem como se tivessem.

Então, mais uma vez, meu nome é Heather. Eu prefiro “ela” e pronomes femininos. Fácil, certo?

Heather Maloney é escritora, editora e uma pensadora criativa de Atlanta com interesse em gênero e sexualidade. Foto de Robin Rayne Nelson / Zuma.
Uma versão deste artigo apareceu originalmente na Q Magazine.

1 Comment

  1. […] Heather Maloney* Tradução de Beatriz Pagliarini Bagagli Publicado pelo portal TransAdvocate Brasil, em 5 de janeiro de 2018 Artigo original publicado pelo portal Q […]

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